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    terça-feira, 23 de junho de 2009

    Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul censura livros e proíbe debates


    Uma Censura Equivocada

    Causou-me estranheza e ao mesmo tempo revolta, o fato de ler estampado em Zero Hora notícia sobre atitude da Secretária de Educação do Rio Grande do Sul contra as publicações alcançadas pelo MEC às bibliotecas de escolas públicas brasileiras, entre elas as bibliotecas gaúchas. Tratava-se de uma “recomendação para retirada das prateleiras” dos livros Um Contrato com Deus e Outras Histórias de Cortiço, O Nome do Jogo e O Sonhador, todas de autoria de Will Eisner.

    São contos em quadrinhos e, talvez, a interpretação, dada pela Secretária, de que o material seria inadequado para os adolescentes para ser usado como material nas escolas porque estimularia a erotização, o comportamento agressivo e uma percepção inadequada das relações afetivo-sexuais entre adolescentes se deva justamente à força expressiva e realista que Eisner empregou em sua obra, o que já lhe rende alguns pontos. Tratou-se, portanto, de uma “leitura” simplista da obra e demonstra que sequer se observou o contexto das ações, seus personagens, a temporalidade e o texto enxuto, que traz um lirismo objetivo e racional, próximos ao realismo Machadiano ou naturalista de Aluísio de Azevedo.

    É sob esse aspecto, que a censura às obras deve ser contestado. Não apenas pela negação ao acesso a uma obra artístico-literária, mas pelo que representa em termos de possibilidades de debate e enriquecimento do ambiente pedagógico a comparação, por exemplo, entre os contos presentes em O contrato com Deus e os capítulos de O Cortiço. Seres humanos bestificados e que transformam seus desejos primitivos na força motriz de suas ações de sobrevivência numa sociedade em formação pode ser a síntese de ambos.

    No conto que dá nome ao livro, o que é a ganância imobiliária executada pelo imigrante judeu Frimme Hersch e sua amante, no Bronx em plena recessão americana, senão a mesma ensandecida busca de riqueza e status do português João Romão e Bertoleza nas lamacentas ruas cariocas do final do século XIX? Em O Zelador, há sim pedofilia. Porém com mais singeleza e sutileza que a encontrada em Lolita, de Vladimir Nabokov e que passeia livremente pelas prateleiras de qualquer biblioteca escolar. Eisner, no entanto, mostra a crueldade e poder de sedução de Rosie, que convence Scuggs a pagar para vê-la seminua e em seguida envenena seu cão e rouba-lhe o dinheiro. Ao perseguir a menina, o zelador acaba encurralado e finalmente livra os moradores de sua presença, tomando a mesma atitude de Bertoleza, ao se descobrir escrava novamente.

    Apenas a exploração destes livros nas aulas de Literatura e entre alunos do Ensino Médio já promoveria uma série de elementos para debate e produção de textos. Pois o vigor criativo dos autores transita entre o grafismo e as letras, tendo como mesma ferramenta o lápis. E isto, para os adolescentes, seria como optar entre ler o manual ou jogar um game. Ou seja, ambos se complementam e a opção entre um e outro vem de uma escolha pessoal. Justamente o que acontece em O Sonhador, outra obra censurada, cujo personagem central muitos adolescentes se identificariam. Ali, um jovem desenhista enfrenta muitas dificuldades em busca de espaço para seu trabalho, às vésperas da Segunda Guerra Mundial.

    A censura às obras é um equivoco e a reparação pode estar no desafio de incluí-las nos projetos pedagógicos das aulas de Literatura, pois o lirismo e arte de Will Eisner não podem ser desperdiçados.


    Professor de Literatura, Língua Portuguesa e Inglês - Especialista em Direitos Humanos.



    3 comentários:

    Samantha Abreu disse...

    estamos vivendo o momento da febre pelo politicamente correto? A verdade é que ninguém está nem aí se existem jovens lendo palavras como pornográficas, o que está na moda é ser moralmente limpo, é a politicagem barata em qquer tema. É ser tapado ao ponto de se defender que adolescentes não podem ler sobre sexo! Oras, sei que opiniões são diferentes e a minha é de que isso é uma babaquice sem tamanho!
    Será que só nós percebemos que esse tipo de texto não está na escola para fins masturbatórios ou sexuais? Não é óbvio que eles estão lá para serem estudados e ensinados com um contexto: o artístico, o literário?
    Aliás, não é de hoje que a literatura passa por tipos de censura ao ser inserida nas escolas. A diferença é que se luta tanto pelo desenvolvimento cultural dos alunos e, quando isso pode, finalmente, acontecer, somos vítimas de tal moralismo chulo e de uma acesso moderno politicamente correto. Já pensou o que seria de nós, estudantes dos anos 70/80, se tivéssemos tido oportunidade de ler obras polêmicas, que criam discussões, que retratam a realidade? Talvez, nossa geração seria hoje muito mais consciente, humanitária e atuante. E mais: nós não tínhamos que ler O Cortiço, de Aluísio de Azevedo? Naquela época, era absurdamente imoral, desapropriada, quando hoje não passa de literatura naturalista.
    Qual o problema em ensinar e mostrar as coisas como elas são? A cena sexual só relete sexo para quem a retira do seu contexto social, do seu contexto literário. Deixem os jovens lerem, pelo amor de deus! Qual o problema com isso?

    Unknown disse...

    Oi!

    Faço coro à Samantha Abreu: deixem a gurizada ler...

    Faz mais de vinte anos que ando pelas salas de aula do RS (em POA e Uruguaian)e raras vezes encontrei alunos que não quisessem ler... em todos, os olhos brilham quando lhe é apresentada uma obra interessante, pela qual o professor esteja apaixonado.... se o profe está encantado pelo texto, com certeza, vai contagiar os alunos!!!

    Pela primeira vez, nesse tempo todo, têm chegado obras muito legais para as bibliotecas, enviadas pelo MEC! E vem alguém querendo boicotar essa política pública!!!!

    Me poupem! Não dá nem pra falar!!!

    Abraços!

    Fernanda Rodrigues Barros disse...

    A revolta dos comentários é pertinente e relevante. E faço parte desses que se revoltam, mas o mais importante é fazer o que diz as últimas linhas do texto postado: " A censura às obras é um equivoco e a reparação pode estar no desafio de incluí-las nos projetos pedagógicos das aulas de Literatura, pois o lirismo e arte de Will Eisner não podem ser desperdiçados". Pois, melhor do que reclamar e se indignar diante de atrocidades como esta é tentar colocar em prática o que estão tentando enterrar em vala comum. Se os docentes atuantes levarem os textos (mesmo que não completos para não haver a tal da reclamação por parte da direção da escola), estes que foram censurados, para a sala de aula e abrirem para discussões a respeito do que se passou e depois a respeito dos textos em si, acredito que já será um belo passo à frente. Creio que mais importante do que fazer os alunos adquirirem gosto pela leitura, é também incentivá-los a pensar por si próprios e não permanecerem vítimas amordaçadas pelo sistema e suas diversas "faces" as quais acabam "castrando" o que a liberdade de pensar pode fazer em mentes jovens.