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    terça-feira, 23 de junho de 2009

    Will Eisner para todos

    Cineasta Jorge Furtado contesta a origem das polêmicas sobre “inadequação” de obras literárias para estudantes

    Chegou ao Sul a polêmica dos livros ditos “pornográficos” adquiridos pelo Programa Nacional de Bibliotecas nas Escolas (PNBE), do governo federal. Boa matéria de Marcelo Gonzatto em Zero Hora (sexta-feira, 19/6/09, pág. 50) informa que “esta semana, quando chegou uma nova remessa ao Estado, uma escola de Alvorada relatou à SEC que considerava as obras de (Will) Eisner impróprias”. A Secretaria Estadual da Educação, segundo a matéria de ZH, mandou “remover das estantes três livros do autor norte-americano Will Eisner por serem ‘inadequados’ para adolescentes”.

    É uma pena. As obras em questão são três novelas gráficas, em quadrinhos, escritas e desenhadas por Will Eisner. Não li O Jogador, mas afirmo que Um Contrato com Deus (Editora Brasiliense, 1988) e O Nome do Jogo (Editora Devir, 2003) são obras-primas de um grande artista, e seria um grande serviço da escola pública gaúcha disponibilizá-las aos seus alunos.

    A matéria de Zero Hora tem como título uma pergunta: “Pedofilia, estupro e adultério são temas para estudante?”. Minha resposta é sim, é claro que são. É óbvio que cada livro deve ser adequado a idade do aluno, ninguém pensaria em sugerir a leitura de Sade ou Pierre Louys a crianças, mas afirmo que os livros de Will Eisner são totalmente adequados a adolescentes. Mais que adequados, necessários. A ideia de que um assunto deva ser sonegado aos estudantes contraria qualquer noção pedagógica, além do bom senso. “Saber sempre é bom”. Familiarizados com temas como a pedofilia, o estupro ou o incesto, jovens brasileiros talvez possam se sentir mais aptos a evitá-los ou mais encorajados a denunciá-los. É para isso, para aprender sobre nós mesmos, que existe a literatura e a arte, divulgá-las é função da escola.

    A polêmica do livros “pornográficos” anda rebaixada, como quase todo o debate público, pelo astigmatismo ideológico que “politiza”, na pior acepção da palavra, qualquer conversa. Em São Paulo foram os petistas que caíram de pau no governo Serra por distribuir livros “pornográficos”. Will Eisner, Manoel de Barros e outros depravados foram citados por gente furiosa, que pedia que o governo estadual paulista gastasse dinheiro com “literatura de verdade”. Aqui a crítica parece que mira o governo federal e o MEC, que comprou os livros. Quase todos os críticos falam das obras “em tese”, informam “não ter lido” mas... José Serra, sem ler, afirmou que as obras eram “de baixa qualidade”, e o governo gaúcho “não descarta recorrer a uma medida judicial para impedir a distribuição” dos livros.

    Sugiro aos interessados que, para começar, leiam os livros. Garanto que são de altíssima qualidade e, ao contrário do que afirma a secretária Mariza Abreu, a obra de Will Eisner não “estimula a erotização, o comportamento agressivo” e muito menos “uma percepção inadequada das relações afetivo-sexuais”, ao contrário. A obra de Eisner, assim como a Bíblia, Shakespeare, Machado de Assis, Cervantes, ou a obra de qualquer grande autor, utiliza os temas fundamentais que animam o espírito humano, incluindo aí crimes e pecados. Tratar temas como agressão, adultério ou pedofilia não significa “incentivar” a agressão, o adultério, ou a pedofilia. Significa conhecê-los. Não é esta a função da escola?

    * Cineasta, dirigiu, entre outros, “O Homem que Copiava” e “Saneamento Básico, o Filme”

    JORGE FURTADO * zero hora de 22/06/09

    Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul censura livros e proíbe debates


    Uma Censura Equivocada

    Causou-me estranheza e ao mesmo tempo revolta, o fato de ler estampado em Zero Hora notícia sobre atitude da Secretária de Educação do Rio Grande do Sul contra as publicações alcançadas pelo MEC às bibliotecas de escolas públicas brasileiras, entre elas as bibliotecas gaúchas. Tratava-se de uma “recomendação para retirada das prateleiras” dos livros Um Contrato com Deus e Outras Histórias de Cortiço, O Nome do Jogo e O Sonhador, todas de autoria de Will Eisner.

    São contos em quadrinhos e, talvez, a interpretação, dada pela Secretária, de que o material seria inadequado para os adolescentes para ser usado como material nas escolas porque estimularia a erotização, o comportamento agressivo e uma percepção inadequada das relações afetivo-sexuais entre adolescentes se deva justamente à força expressiva e realista que Eisner empregou em sua obra, o que já lhe rende alguns pontos. Tratou-se, portanto, de uma “leitura” simplista da obra e demonstra que sequer se observou o contexto das ações, seus personagens, a temporalidade e o texto enxuto, que traz um lirismo objetivo e racional, próximos ao realismo Machadiano ou naturalista de Aluísio de Azevedo.

    É sob esse aspecto, que a censura às obras deve ser contestado. Não apenas pela negação ao acesso a uma obra artístico-literária, mas pelo que representa em termos de possibilidades de debate e enriquecimento do ambiente pedagógico a comparação, por exemplo, entre os contos presentes em O contrato com Deus e os capítulos de O Cortiço. Seres humanos bestificados e que transformam seus desejos primitivos na força motriz de suas ações de sobrevivência numa sociedade em formação pode ser a síntese de ambos.

    No conto que dá nome ao livro, o que é a ganância imobiliária executada pelo imigrante judeu Frimme Hersch e sua amante, no Bronx em plena recessão americana, senão a mesma ensandecida busca de riqueza e status do português João Romão e Bertoleza nas lamacentas ruas cariocas do final do século XIX? Em O Zelador, há sim pedofilia. Porém com mais singeleza e sutileza que a encontrada em Lolita, de Vladimir Nabokov e que passeia livremente pelas prateleiras de qualquer biblioteca escolar. Eisner, no entanto, mostra a crueldade e poder de sedução de Rosie, que convence Scuggs a pagar para vê-la seminua e em seguida envenena seu cão e rouba-lhe o dinheiro. Ao perseguir a menina, o zelador acaba encurralado e finalmente livra os moradores de sua presença, tomando a mesma atitude de Bertoleza, ao se descobrir escrava novamente.

    Apenas a exploração destes livros nas aulas de Literatura e entre alunos do Ensino Médio já promoveria uma série de elementos para debate e produção de textos. Pois o vigor criativo dos autores transita entre o grafismo e as letras, tendo como mesma ferramenta o lápis. E isto, para os adolescentes, seria como optar entre ler o manual ou jogar um game. Ou seja, ambos se complementam e a opção entre um e outro vem de uma escolha pessoal. Justamente o que acontece em O Sonhador, outra obra censurada, cujo personagem central muitos adolescentes se identificariam. Ali, um jovem desenhista enfrenta muitas dificuldades em busca de espaço para seu trabalho, às vésperas da Segunda Guerra Mundial.

    A censura às obras é um equivoco e a reparação pode estar no desafio de incluí-las nos projetos pedagógicos das aulas de Literatura, pois o lirismo e arte de Will Eisner não podem ser desperdiçados.


    Professor de Literatura, Língua Portuguesa e Inglês - Especialista em Direitos Humanos.